segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Autogestão, o que é ? Parte V

AUTOGESTÃO E PERÍODO DE TRANSIÇÃO

Se a autogestão é uma relação de produção, ou seja, a determinação fundamental do modo de produção comunista, e que por isso abole a chamada “lei do valor”, então, qual é o sentido que tem o discurso sobre o “período de transição”? Questionar a necessidade de um “período de transição” entre o capitalismo e o comunismo significa, segundo o pseudomarxismo, desconhecer que a tese da “fase de transição” é uma conquista irrenunciável do “socialismo científico”, que supera todo e qualquer utopismo. Entre o capitalismo e o comunismo existe um período de transição chamado socialismo. Neste período, o estado dirige a economia através de um plano e se mantêm o dinheiro, o trabalho assalariado e até mesmo a “lei do valor”.

Deixando de lado a discussão sobre o sentido da palavra utopia, podemos dizer que, na verdade, “sonho irrealizável” é a idéia de um “período de transição” entre capitalismo e comunismo. A ideologia da transição é contrária ao que o próprio Marx colocou e, por conseguinte, não se pode dizer que tal idéia está presente em Marx e utilizar este “argumento de autoridade” para sustentar tal tese.

O que Marx “realmente disse”? As colocações de Marx sobre a passagem do capitalismo ao comunismo que o pseudomarxismo se utiliza para sustentar tal tese são duas: a) a permanência do trabalho assalariado; b) a existência de um “estado de transição” no socialismo. Mas, antes de tudo, devemos dizer que Marx não utilizava as noções de “período de transição” e de “socialismo”. Essas noções foram criadas pela tradição bolchevique e similares e foram erigidas ao nível de verdadeiros “conceitos”, que foram reificados e passaram a ser, na ideologia da burocracia, uma etapa necessária na história. O que Marx colocou é que a sociedade comunista, tal como surge do capitalismo, atravessa duas fases, o que significa que são duas fases do comunismo e não que uma delas seja de “passagem” para ele. As colocações de Marx sobre a permanência do trabalho assalariado e a existência de um estado de transição se referem a esta primeira fase do comunismo.

Entretanto, é necessário colocar que Marx reformulou as suas teses sobre a primeira fase do comunismo. Marx havia colocado que nesta primeira fase deveria haver a “estatizacao dos meios de produção”, e é aí que se pode falar em “estado de transição”. Acontece que, após a experiência da Comuna de Paris, ele reformulou esta tese, tal como demonstra o seu artigo sobre a comuna e os “posfácios” ao Manifesto Comunista [6]. Para Marx, a classe operária não pode se apossar do estado, pois deve destruí-lo e em seu lugar implantar o “autogoverno dos produtores”, ou seja, a autogestão [7]. Tal como fizeram os proletários durante a Comuna, deve-se abolir o exército permanente e a burocracia do estado.

Outra colocação que Marx reformulou é a de que na primeira fase da sociedade comunista todos deveriam receber salários equivalentes ao dos operários, o que pressupõe a permanência do trabalho assalariado, só que funcionando sob outra forma. Posteriormente, ele afirmou que os trabalhadores receberiam bônus comprovando o trabalho executado: "Do que se trata aqui não é de uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas de uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade cujas entranhas procede. Congruentemente com isto, nela o produtor individual obtém da sociedade - depois de feitas as devidas deduções - precisamente aquilo que deu. O que o produtor deu à sociedade constitui sua cota individual de trabalho. Assim, por exemplo, a jornada social de trabalho compõe-se da soma das horas de trabalho individual; o tempo individual de trabalho de cada produtor em separado é a parte da jornada social do trabalho com que ele contribui, é sua participação nela. A sociedade entrega-lhe um bônus consignando que prestou tal ou qual quantidade de trabalho (depois de descontar o que trabalhou para o fundo comum), e com este bônus ele retira dos depósitos sociais de meios de consumo e parte equivalente à quantidade de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a desta sob uma outra forma diferente” [8].

Entretanto, o sistema de bônus não é a mesma coisa que o salariato. O salário é pago em papel-moeda (dinheiro), que é um “meio de troca universal” e pode ser, por isso, acumulado e utilizado para comprar meios de consumo e produção e/ou força de trabalho. O bônus proposto por Marx era trocável apenas por meios de consumo e por isso não tem nada a ver com o dinheiro, o trabalho assalariado e a “lei do valor”. Por conseguinte, a primeira fase do comunismo já seria marcada pela abolição do estado, do trabalho assalariado, do dinheiro, etc., e pela instauração da autogestão social ou, segundo a linguagem de Marx, da livre associação dos produtores.

Marx colocou que o trabalho se generalizaria durante a primeira fase do comunismo, mas sem ligação com o salariato e sim com o sistema de bônus. Nesta fase predomina o princípio “de cada um segundo sua capacidade à cada um segundo seu trabalho”. Na segunda fase predomina o principio “de cada um segundo sua capacidade à cada um segundo suas necessidades”.

Acontece que estas propostas estão superadas historicamente, pois elas foram produzidas tendo por base o capitalismo da época de Marx, ou seja, do século 19. Com o posterior desenvolvimento das forças produtivas não há mais motivos para a existência do princípio “à cada segundo o seu trabalho” e do sistema de bônus. O desenvolvimento das forças produtivas, na Europa ocidental e nos demais países capitalistas superdesenvolvidos, já atingiu um nível tão elevado que a revolução autogestionária terá que transformá-las para possibilitar a autogestão e sua utilização de acordo com as necessidades humanas. Isto se torna, na atualidade, válido até para os países capitalistas subordinados( “terceiro mundo”). Por conseguinte, não há mais a necessidade de existir “duas fases” no comunismo e a chamada “transição” do capitalismo ao comunismo se realiza no período revolucionário que ao terminar, com a vitória do proletariado, instaura a autogestão social.

Fonte: Nildo Viana - http://www.midiaindependente.org/ - http://informecritica.blogspot.com/

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