Publicado em 19/08/2011 - Paola Carriel e Polianna Milan - Gazeta do Povo. 800 mil paranaenses residem em habitações irregulares. Estudo do Ipardes revela que o estado tem 205 mil domicílios em situação precária. Quase a metade localizada nas margens de rios.As marcas da última enchente ainda estão no muro e pelo pátio da casa de Nadir Kresko e dos filhos Mateus e Leonardo (foto acima), em Almirante Tamandaré, na Grande Curitiba. Há duas semanas, a água chegou no assoalho de madeira, mas não entrou. O problema é que o piso já não aguenta mais tanta umidade e começou a apodrecer. “Na enchente de janeiro, a água entrou e estragou todo meu guarda-roupa. Tive de comprar um novo, mas as gavetas do novo não fecham porque o assoalho está cedendo”, conta Nadir. Três vezes ao ano, pelo menos, a cobradora de ônibus, que mora às margens do Rio Barigui, se depara com a água dentro de casa ou até a porta da cozinha. “É muito triste. Quando chove forte, não dá para ter sossego.” O rio já foi alargado, mas não resolveu muita coisa. Ela diz que sonha em comprar a casa própria, mas não consegue juntar os R$ 4 mil que precisa para dar entrada na documentação. “Esta casa é da empresa onde meu marido trabalha”, diz. Na chuva que caiu no início deste mês, a água avançou pelo pátio e deixou o cão Lulu totalmente encoberto. “Tive de sair correndo para socorrê-lo.”
Cerca de 800 mil paranaenses vivem em favelas ou loteamentos irregulares. São residências precárias que, de alguma forma, não estão em condições ideais para habitação, seja em função da localização – como na beira de rios, por exemplo – ou por falta de documentação e regularização fundiária. O problema se concentra em grandes cidades, como Curitiba, com 61 mil domicílios nestas condições, e Londrina, com 14,3 mil. Os dados são do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) e fazem parte do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social.
Segundo o mapeamento, realizado em parceria com as prefeituras, o estado tem 2.043 assentamentos precários em 266 municípios, o que equivale a 205 mil domicílios. Ou seja, 66% das 399 cidades do Paraná têm alguma habitação irregular. O estudo aponta que 43% dessas moradias estão na margem de rios; 33% em áreas de proteção ambiental; 14% em encostas; e 14% à beira de rodovias e ferrovias.
Além de não ter habitações dignas, a população que vive em áreas precárias fica mais sujeita a desastres naturais. Entre 1980 e 2011, o Paraná registrou 4,5 mil ocorrências de calamidades, sendo que metade delas relacionada a chuvas, impactando diretamente quem vive nas margens de rios. E os municípios mais afetados são justamente os mais populosos e com maior número de habitações precárias.
A relação entre assentamentos precários e áreas de risco ocorre na maior parte das vezes porque estas habitações estão em locais disponíveis e desocupados, com baixo valor imobiliário. Urbanista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Carlos Hardt argumenta que é mais fácil controlar uma ocupação irregular no início, quando há menos famílias, mas o poder público não faz este controle.
Curitiba concentra ocupações
Curitiba é a cidade mais populosa do estado e consequentemente tem o maior número de moradias irregulares. São 61,7 mil domicílios irregulares. Diretora técnica da Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab), Teresa Elvira Gomes de Oliveira explica que o órgão atua em duas vertentes.
A primeira busca sanar a conhecida “fila da Cohab”, que oferta novas residências para os inscritos. A segunda atua na reurbanização de favelas, regularização fundiária e realocação de famílias que vivem em áreas de risco. A meta é atender 14 mil famílias com obras de urbanização e 16 mil com regularização fundiária até o fim de 2012. Seis mil famílias que vivem na beira de rios devem ser realocadas até o fim deste ano.
RMC
A região metropolitana de Curitiba concentra boa parte das ocorrências de desastres naturais e também de assentamentos precários. Almirante Tamandaré tem 6,2 mil domicílios irregulares e sofreu nos últimos anos 13 desastres relacionados a enxurradas.
O secretário municipal de Obras, Dilaor João Machado, explica que a cidade ainda é prejudicada pelo relevo acidentado, que causa deslizamentos de terra. Aproximadamente metade das moradias precárias precisa ser realocada, mas faltam recursos. A prefeitura estima que seriam necessários R$ 210 milhões, mas o orçamento disponível fica em apenas R$ 73 milhões.
O que é assentamento precário?
Quatro tipos de ocupação constituem um assentamento precário. Acompanhe:
Favelas
- Caracterizou-se inicialmente pelo acesso à terra mediante invasão de áreas privadas ou públicas. Mas ao longo de várias décadas evoluíram para uma situação fundiária na qual os moradores conquistaram direitos de posse e/ou de uso das áreas ocupadas. Trata-se, freqüentemente, de áreas pouco adequadas à urbanização, como morros ou margens de rios.
Loteamento irregular
- Existe regularidade no traçado urbano e os moradores pagaram pelo lote ou pela moradia, mas não têm direito de propriedade, à exceção dos casos em que tenham conseguido esse direito mediante ação de usocapião ou quando se trata de área pública.
Cortiços
- Caracterizados pela localização em áreas centrais e pelo acesso mediante pagamento de aluguel, abrangendo também a categoria de imóveis abandonados ocupados por movimentos organizados de moradia, sendo que, nesses casos, não se verifica a relação de aluguel.
Conjunto habitacional degradado
- Edifícios ou unidades habitacionais insalubres e/ou que apresentam problemas de risco. Caracterizam-se pela execução incompleta da infraestrutura urbana, problemas de gestão coletiva dos espaços comuns, falta de regularização fundiária e de acompanhamento da comunidade, pelo poder público, nas etapas posteriores à implantação.
Enchente pelo menos 3 vezes por ano
As marcas da última enchente ainda estão no muro e pelo pátio da casa de Nadir Kresko e dos filhos Mateus e Leonardo (foto acima), em Almirante Tamandaré, na Grande Curitiba. Há duas semanas, a água chegou no assoalho de madeira, mas não entrou. O problema é que o piso já não aguenta mais tanta umidade e começou a apodrecer. “Na enchente de janeiro, a água entrou e estragou todo meu guarda-roupa. Tive de comprar um novo, mas as gavetas do novo não fecham porque o assoalho está cedendo”, conta Nadir. Três vezes ao ano, pelo menos, a cobradora de ônibus, que mora às margens do Rio Barigui, se depara com a água dentro de casa ou até a porta da cozinha. “É muito triste. Quando chove forte, não dá para ter sossego.” O rio já foi alargado, mas não resolveu muita coisa. Ela diz que sonha em comprar a casa própria, mas não consegue juntar os R$ 4 mil que precisa para dar entrada na documentação. “Esta casa é da empresa onde meu marido trabalha”, diz. Na chuva que caiu no início deste mês, a água avançou pelo pátio e deixou o cão Lulu totalmente encoberto. “Tive de sair correndo para socorrê-lo.”
Cerca de 800 mil paranaenses vivem em favelas ou loteamentos irregulares. São residências precárias que, de alguma forma, não estão em condições ideais para habitação, seja em função da localização – como na beira de rios, por exemplo – ou por falta de documentação e regularização fundiária. O problema se concentra em grandes cidades, como Curitiba, com 61 mil domicílios nestas condições, e Londrina, com 14,3 mil. Os dados são do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) e fazem parte do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social.
Segundo o mapeamento, realizado em parceria com as prefeituras, o estado tem 2.043 assentamentos precários em 266 municípios, o que equivale a 205 mil domicílios. Ou seja, 66% das 399 cidades do Paraná têm alguma habitação irregular. O estudo aponta que 43% dessas moradias estão na margem de rios; 33% em áreas de proteção ambiental; 14% em encostas; e 14% à beira de rodovias e ferrovias.
Além de não ter habitações dignas, a população que vive em áreas precárias fica mais sujeita a desastres naturais. Entre 1980 e 2011, o Paraná registrou 4,5 mil ocorrências de calamidades, sendo que metade delas relacionada a chuvas, impactando diretamente quem vive nas margens de rios. E os municípios mais afetados são justamente os mais populosos e com maior número de habitações precárias.
A relação entre assentamentos precários e áreas de risco ocorre na maior parte das vezes porque estas habitações estão em locais disponíveis e desocupados, com baixo valor imobiliário. Urbanista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Carlos Hardt argumenta que é mais fácil controlar uma ocupação irregular no início, quando há menos famílias, mas o poder público não faz este controle.
Incapacidade
Para especialistas, o total de paranaenses vivendo em assentamentos precários levantado pelo estudo não chega a ser uma surpresa. Hardt explica que esse número decorre da incapacidade do Estado brasileiro de implementar uma política de habitação no país. “A solução é uma decisão política. É necessário prioridade e destinação dos recursos de forma competente.”
Urbanista e professora da Universidade Federal do ABC, Rosana Denaldi afirma que os assentamentos precários estão relacionados com a forma como as cidades se desenvolveram no país. Há uma parcela da população que durante décadas não foi atendida nem pelo Estado, em função da falta de políticas públicas, nem pelo mercado, já que não tinha recursos para comprar imóveis. A única alternativa para moradia foi a ocupação de áreas irregulares. “O planejamento urbano não reservou áreas para a construção de habitações sociais. As cidades acabaram subordinadas à lógica do mercado imobiliário.”
Para o urbanista Clóvis Ultramari, a solução passa pela reurbanização dos assentamentos. Ele lembra que apenas parte da população desassistida precisa ser realocada, já que muitos domicílios podem continuar no mesmo local desde que sejam urbanizados. Por isso, não seria necessária a construção de 800 mil novas moradias no estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário